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18 de março de 2009

Um poema por dia



CHUVA OBLÍQUA


"Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...

Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma (...) "


Fernando Pessoa


9 de março de 2009

Casta de estudantes





Queres continuar a ser estudante,
E encontrar refúgio na estante,
Bolorenta,
Metáfora para os ideais da nossa gente.
O nosso presente decai,
E nem penses que podes ficar para trás.
Pensas que és diferente mas não te podes alimentar só de chás.
Fica a contemplar, outras filosofias,
Os livros vão pesar no teu intelecto.
A barriga, vazia, não te vai deixar pensar.
Talvez rastejes na rua, ou tentes lutar.
O subúrbio vai acabar na calçada esbranquiçada pela anemia que nos vai dar

5 de março de 2009

(brainy) Dickinson



I felt a Funeral, in my Brain,
And Mourners to and fro
Kept treading - treading - till it seemed
That Sense was breaking through -

And when they all were seated,
A Service, like a Drum -
Kept beating - beating - till I thought
My Mind was going numb -

And then I heard them lift a Box
And creak across my Soul
With those same Boots of Lead, again,
Then Space - began to toll,

As all the Heavens were a Bell,
And Being, but an Ear,
And I, and Silence, some strange Race
Wrecked, solitary, here -

And then a Plank in Reason, broke,
And I dropped down, and down -
And hit a World, at every plunge,
And Finished knowing - then -

-------------------

The Brain - is wider than the Sky -
For - put them side by side -
The one the other will contain
With ease - and You - beside

The Brain is deeper than the sea -
For - hold them - Blue to Blue -
The one the other will absorb -
As Sponges - Buckets - do -

The Brain is just the weight of God -
For - Heft them - Pound for Pound -
And they will differ - if they do -
As Syllable from Sound -

25 de fevereiro de 2009

Uma gota





Seguras a gota que escorre pelo canto da minha boca,
E que segue do meu lábio para o teu dedo.
Seguras-me a face com a palma da mão e eu deixo-me ir,
De olhos fechados.
Foi a primeira gota caída,
Aquela de que padeci.

Paisagens



És quente e afagas a tábua de madeira com o teu sol,
Pelo contrário, és fria e glacial, esfumaças.
O filtro corado protege-te.

Se escorregasses por esse monte verde abaixo, ias parar ao mar,
Ele iria receber-te de onda aberta e erguida,
Suave, ao contrário do que pensas.

Imagina-te depois de tal viajem, por entre os montes e o mar,
A deixar o sol secar-te na pele,
A criar crosta.

Limitas-te a espreitar por entre as rochas;
És sombra reflectida nas águas dos pequeninos lagos,
Devias erguer-te e efervescer,
Fazer crescer a tua força.

24 de fevereiro de 2009

Um poema por dia



"O zig-zag na escarpa sobre as cataratas do rio,
O turbilhão no cadaste,
A celeridade da rampa.
O enorme colume da corrente,
Levam sob a luz inaudita
E a surpresa química
Os viajantes cercados pelas trombas do vale
e do strom.

São os conquistadores do mundo
Em busca da fortuna química pessoal;
Desporto e conforto viajam com eles;
vai com eles a educação
Das raças, das classes e dos bichos, sobre este barco
Repouso e vertigem
Na luz diluviana,
Nas terríveis tardes de estudo.

Pois das conversas entre os aparelhos, o sangue, as flores o fogo, as jóias,
Dos cálculos ansiosos deste barco fugitivo,
- Vemos, rolando como um dique frente à roda hidráulica motora,
Monstruoso, iluminando-se sem fim, - o seu stock de estudos;
Imersos no êxtase harmónico,
E no heroísmo da descoberta.

Ante os mais surpreendentes acidentes atmosféricos,
Um par jovem isola-se na arca
- Antiga selvajaria consentida? -
E coloca-se e canta."

Jean-Arthur Rimbaud
(tradução Mário Cesariny)



15 de fevereiro de 2009

Bairro Alto



Vamos jantar ao bairro alto outra vez e beber um copo
Ver as mesmas caras na rua da rosa e na esquina da barroca.
Uma ginja, uma imperial.
Que nos valham as bebidas espirituosas que nós de espirituais não temos nada.
Já nem beijamos nas ruas, só vemos os casacos e as mãos gesticulando.
Já não temos nada para falar de tão cansados que estamos.
Que nos valham as bebidas espirituosas,
Os sons dançantes e alguma bebedeira.
Que nos valham os palermas.
Só me apetece sair deste buraco.

Asas e coisas que tais

És preto contra o céu branco, demasiado branco.
Voas inconstante

De cima
Para baixo
Da esquerda
Para a
Direita
Sentes, cortantes, as pedras cristais geladas contra as tuas asas.
Já não te sabes guiar através dos tijolos que brotaram para além dos ramos.
Estás tão confuso e dorido como cada um de nós, no solo, protegidos pelos tejadilhos.
Andamos todos assarapantados.

. . .


Figuras baças da noite são iluminadas pelos candeeiros da cidade e pela solidão dos dias.
Espreitam a cada esquina e reviram os olhos de medo.
Encontram na transparência do copo cheio (depois vazio) o calor que lhes chega ao peito duro.
Molham os lábios secos e contemplam as ruas através daquele vidro embaciado
Batem com o pé e afagam os queixos para acalmar o que não gritam
No fim esvoaçam pela madrugada em direcção ao rio.

O Animal



Animal repousado na luz de uma tarde amena, tão belo como nunca outro poderá ser, lambes as patas feridas pelo caminho de pedras.



Almofadas de nuvens
Botões no nariz
Panos revestem-te a espuma.
A cabeça é madeira: Dura.
Pés de algodão.
Barriga é doce mel.
Levitas e observo-te.

8 de fevereiro de 2009

Um tiro




Ele deu um tiro nos cornos.
Os cornos que lhe tinham nascido rugosos, ferindo-lhe a testa.
Um tiro que lhe acabou com as culpas e com as vozes que vinham de dentro e de fora, lembrando-o da podridão que levava dentro.
Ele deu um tiro nos cornos para acabar com as tormentas e deixar por cá, com as suas, quem ele troçou.
Um tiro que levava dentro a sujidade de um mundo decomposto e invertido.
Ele brincou aos poderosos e aos ricos. Mas tramou-se. Afinal era fraco demais para o peso da culpa.
Deu um tiro nos cornos.





Mal tenha carro ligo-te.
Poder ser que queiras ir dar uma volta.
Parar ao luar e ver as pontes.
Gostava de ir visitar-te, mas sei que não gostas de surpresas.
Sempre fui uma surpresa para ti.
Se desenhasse um mapa da nossa viagem ias rir-te.
Afinal a nossa viagem foi só minha.
Espero aqui na varanda e vou recebendo umas visitas.
Pode ser que queiras aparecer.
Eu gosto de surpresas.


6 de fevereiro de 2009

E porque hoje é Sexta-feira



Tira da carteira as moedas que te restam, por entre os comprimidos, e usa-as como mote para a esperança e coragem que te faltam.
5 Números e duas estrelas.
Já está.








I.
Calcula tu a posição invertida em que estou.
Ando com a cabeça, penso pelos pés, como pelos tornozelos, e parece-me que não ouço.
Estou um pouco tonta.


II.
Sou perseguida pela forma perfeita das coisas. Calculo o gesto capaz de ferir. Sou animal claro na escuridão, e sei pouco da vida.
A mim diz-me mais o horizonte do que a chegada.
Imagino as cores, mas não as sei pintar.
Sou demasiado imperfeita para a perfeição que me persegue.


III.
Só espero que a desgraça me seja acudida num encontro pouco provável e que Ele me descubra a excentricidade.



IV.
Quis que tomasses conta dos meus olhos sem o saberes. Pus em tuas mãos toda a minha ânsia por um olhar claro. Assim fiquei cega.
De repente surges, trazendo contigo a minha visão antiga. Com ela irrompe a fealdade de todas as coisas que me assombram, e a dor de quem não quer ver a verdade.


V.
Do teu olhar espero mais do que o nada que trago dentro.
Espero tudo de ti e da vida. A excitante sensação do novo num olhar sedento e fresco de alguém pronto a partilhar.
Sinto medo de todo o pequeno sinal, e apesar de querer muito, não me atrevo.
Talvez esta seja a altura em que tudo vai ser. É o que sinto! E nada em mim deixa prevalecer a mentira do que vivo.
Não acredito na verdade e sei bem que a sua busca tudo deturpa. O dia vale tudo. A hora. O minuto. A sensação. Pára de pensar. Não anseies mais e vive. Sente tudo.


11 de junho de 2008


Excessos Passados



Excesso I.

Encontrei-o. Vivi-o repentino num crespúsculo.Mas não quis ficar.

Resiste na minha memória. Alimenta a solidão e o vazio de nunca antes ter sentido alguém assim.

Podem concluir que me apaixonei por uma ideia. Mas é a minha própria ideia.
É mais real do que uma qualquer sensação de outro. E quero vivê-la. E não posso. Sem ele.

Apenas ele soubesse que depois daquele ímpeto não esqueci nada,
nem uma palavra por ele proferida, nem um movimento.

Apenas ele soubesse que cada vez que me olha eu caio,
que era capaz de tudo,
que ía valer a pena,
que (a) pesar de tudo vejo o que ele tem de melhor.

Apenas ele pudesse ler a minha subserviência...
Aí ele ía querer-me, nem que fosse como serva debruçada perante seu ego inflamado.


Excesso II.


Procuro o que não me querem dar.
Busco o impulso de um que tal como eu, não sabe onde, nem quem.

Quero entregar-me.
E não aceito esse medo cínico de quem diz não procurar.

Não aceito o prazer desmiolado. Não aceito quem escolhe não olhar para além do que se vê.
Não aceito seres dissimulados. Não aceito máscaras que contaminam. Não as uso.

Não quero passear por aí. Não quero charme, nem recreio. Quero o que é, e o que pode ser. Quero honestidade.

Sou quem procura. Sou a que encontra mas não é encontrada.

Entrei pela pior das portas, e não a consigo fechar. Estou a contemplar um caminho pelo qual não andarei,

e ainda não acredito.

Este é o início tardio da minha história. A história de quem acredita, agora que todos tentam esquecer.